O episódio descrito no texto acima, que envolve o sacerdote Eli e seus
filhos, nos serve de alerta, e deve nos conduzir a uma profunda reflexão sobre
a maneira como educamos nossos filhos na atualidade.
O versículo 12 nos diz que os filhos de Eli eram filhos de belial (hb.beliya‘al),
ou seja, eram praticantes de perversidades, impiedades, malvadezas, atos
rebeldes. Eles não conheciam (hb. yadha‘), e aqui significa que não
gozavam de um relacionamento pessoal, não tinham experiências com Deus. Assim,
como muitos filhos de líderes e pastores nos dias atuais, viviam de uma forma
que escandalizavam e desonravam os seus pais.
A primeira forma descrita no texto de seus atos rebeldes era a
apropriação ilícita das ofertas (v. 13-17). Temos na atualidade filhos e
parentes de pastores que pensam que as ofertas das igrejas são “receitas” que a
família pastoral pode administrar como bem pensam. Dessa forma estão
multiplicando o patrimônio familiar, e isso em detrimento do crescimento, da
manutenção da obra, e da precariedade com que vive os obreiros auxiliares. A
família pastoral desfila com carros de última geração, enquanto alguns obreiros
nem bicicleta possuem para atender o trabalho. A família pastoral adquire
grandes mansões, apartamentos de luxo, terrenos, sítios, fazendas, e os
obreiros auxiliares vivem de aluguel, sem perspectivas de melhores condições. A
família pastoral ocupa cargos estratégicos na administração da igreja, além de
receberem salários diferenciados. Neste caso, o chavão “é necessário viver por
fé” só serve para os outros.
A família pastoral é detentora do poder, e quando questionada, logo usa
de artifícios para afastar aqueles que lhe são uma ameaça para a vida no “luxo
palaciano”. De forma astuta também manipula as massas “crentes”, fazendo-as
conformar-se também com a situação precária de vida, usando o discurso de que
“é Deus que quer assim”, e impondo terror de “castigo divino” para com aqueles
que “tocam no ungido”. Um absolutismo monárquico medieval com privilégios para
o “clero” e “nobreza” evangélica contemporânea é vivido abertamente e
escandalosamente, e isso para vergonha do evangelho.
Outra prática vergonhosa dos filhos de Eli era a imoralidade sexual (v.
22), manifesta em forma de orgia. Semelhantemente, nos dias atuais há filhos de
líderes e pastores que vivem na imoralidade, envergonhando abertamente seus
pais. Há caso de práticas sexuais ilícitas de filhos de pastores que são
“abafadas”, para não macular a imagem do pai. Dois pesos e duas medidas são
também usados na disciplina eclesiástica. Quando se trata dos filhos dos outros
a disciplina é dura e sem misericórdia, enquanto os filhos e parentes de alguns
pastores recebem disciplina diferenciada, e se são obreiros, em certos casos
nem afastados do trabalho são.
Eli nos informa o texto bíblico, ouvia e sabia dos fatos (v. 22), e até
questionava o comportamento dos filhos (v. 23-24), mas não tinha autoridade e
força para contê-los, e dessa forma os garotos deitavam e rolavam no
ministério.
Como a situação chegou a esse nível? Qual a razão do comportamento
inadequado, imoral e rebelde dos filhos de Eli, que se repetem em nossos dias?
As respostas para tais questões não devem ser simplistas, pois envolvem muitas
possibilidades, onde dentre as principais podemos citar:
- Educação permissiva. Há filhos de obreiros que desde cedo
“pintam e bordam” na igreja, e não recebem reprovação alguma de seus pais. Pelo
contrário, se algum diácono, líder de departamento, professor de escola
dominical repreender ou chamar a atenção de seus filhos, podem até perder o
cargo. Geralmente são repreendidos publicamente, para que isso sirva de exemplo
para os demais que intentam censurar o comportamento de seus filhos.
- Excesso de rigor na criação dos filhos. Há obreiros que
são tão duros com os seus filhos, cobrando deles um comportamento acima da
média e impondo sobre eles um padrão de “santidade” tão alto (que de santidade
não tem nada), que acabam por alimentar um sentimento de revolta, um ódio, uma
revolta que mais cedo ou mais tarde se manifestará das mais diversas formas.
Quantos filhos de obreiros ignorantes já não foram espancados por jogar bola de
gude, empinar pipa, andar de bicicleta e por outras práticas que em nada
maculam a moral e a fé do crente. Muitos destes obreiros ainda sofrem de culpa
por perceberem o quanto cruéis e radicais foram, por entenderem hoje o mal que
fizeram aos seus filhos, muitos destes marcados, desviados e revoltados (Ef
6.4).
- Carência afetiva. Beijos e abraços devem fazer parte do
cotidiano da relação pais e filhos. Manifestações de afetividade, palavras
doces, elogios e reconhecimento fazem bem. As necessidades afetivas não
supridas podem desenvolver em nossos filhos sentimentos e comportamentos
inadequados, com o propósito de serem notados, percebidos. Uma atitude
rebelde pode ser um grito de desespero de quem sofre por falta de carinho e
atenção.
- Amizade não construída. Os pais obreiros precisam
construir um relacionamento de confiança com os filhos, precisam se tornar os
seus melhores amigos, alguém com quem eles possam contar nos momentos mais
críticos da vida, nas horas da forte tentação, das dúvidas e das fraquezas. Se
não formos os melhores amigos de nossos filhos, podem ter certeza, eles
buscarão noutros tal nível de confiança e amizade.
- Falta de bom exemplo. Um pai que é obreiro precisa dar
exemplo aos seus filhos. Muitos filhos de obreiros são espelhos da conduta
irresponsável e desordenada de seus pais. Nestes dias de igreja-empresa, onde
muitos pastores se entendem como “donos do negócio”, gestores dos “impérios
religiosos pessoais”, há uma multiplicação no preparo dos futuros herdeiros
(imagine quem são), que certamente reproduzirão a mentalidade e as práticas de
seus pais.
- Ausência ou presença de má qualidade. No outro extremo da
falta de exemplo está a ausência dos pais. Já ouvi, e mais de uma vez, filhos
de obreiros reclamarem que o pai nunca lhes dedicou tempo e atenção, devotando
à igreja tais privilégios, esquecendo-se dos de sua própria casa e família.
Ninguém pode cuidar da igreja, sem que antes cuide de sua própria família (1 Tm
3.4-5,5.8). Os pais precisam viver cada fase da vida dos filhos, e se fazer
presentes nos momentos mais especiais. Eles só terão uma infância, uma
adolescência e uma juventude.
- Rebeldia deliberada. Os pais obreiros nem sempre são
responsáveis por influenciar negativamente a conduta dos filhos. A parábola do
filho pródigo é um claro exemplo disso (Lc 15.11-24). Há pastores que educam os
seus filhos conforme os fundamentos da Palavra, que são grandes exemplos de
piedade, e mesmo assim os filhos se enveredam por caminhos difíceis, que só
causam dor, tristeza e vergonha para os seus pais. As más amizades e
companhias, a concupiscência da carne e dos olhos, a soberba da vida, a
liberdade de escolha, as astutas ciladas do diabo, são fatores que podem
desviar do caminho do bem um filho criado com amor, afeto, cuidado e disciplina
na medida certa.
Conclusão
As questões aqui citadas não podem ser generalizadas. Conheço pastores,
líderes e obreiros cujos filhos e família são uma bênção para a igreja.
As possíveis causas aqui listadas do comportamento rebelde dos filhos de
obreiros são também aplicáveis aos filhos dos demais crentes e membros da
igreja.
Que na condição de pais possamos ter a consciência tranquila de termos
cumprido o nosso papel na educação dos filhos, com palavras e com vida
exemplar. Se mesmo assim eles trilharem o caminho da rebeldia, devemos amá-los
e apresentá-los a Deus em oração, clamando para que de alguma forma o Pai
celestial possa discipliná-los, para que não venham a se perder.
Blog do Pr. Altair Germano
Blog do Pr. Altair Germano
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Coloque sua opinião de maneira clara e objetiva