Certa feita, em Londres, um pastor pegou um ônibus, pagou a passagem,
recebeu o troco e foi sentar-se. Ao contar o dinheiro, deu-se conta de ter
recebido uma quantia maior que a devida. Decidiu, então, retornar e devolver o
excedente ao cobra-dor. “O senhor me deu dinheiro a mais” – disse o pastor. O cobra-dor respondeu: “Eu sei. Estive ontem na sua igreja e o vi pregando sobre
fidelidade. Eu só queria saber se o senhor vive o que prega”.
A primeira vez que ouvi essa história, tive inevitavelmente de perguntar
a mim próprio se o que eu pregava batia com o tipo de vida que eu estava a
viver. Isso é o mínimo que uma pessoa sensata pode fazer. Ou então, viver no
limite inescrupuloso do princípio máximo da hipocrisia, que diz: “Faça o que eu
digo, mas não faça o que eu faço”.
Todos sabemos que a ética nos ensina a viver sob o signo da coerência e
que nossas ações devem, no mínimo, corresponder ao que falamos. Isto porque,
independentemente da posição que ocupamos na sociedade, todos seremos cobrados
quanto a isso. E quanto maior a posição, maior a cobrança. Como disse Jesus:
“Àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e àquele a quem muito se
confia, muito mais lhe pedirão” (Lc 12.48).
Não apresentar coerência nesse ponto equivale ao resultado decorrente de
limpar o lado de uma vidraça e deixar o outro sujo. A visão ficará sempre
embotada. Desse modo, quando pessoas investidas de autoridade são um mau
exemplo, porque as palavras não condizem com suas ações, isso causa uma
deformidade no psiquismo coletivo de seu grupo social, gerando insegurança e
instabilidade nas relações sociais.
No mundo, há inúmeros exemplos de partidos políticos que, enquanto
pequenos e fora do poder, primavam pela pregação da coerência e exigiam de seus
pares e opositores correção na coisa pública. Porém, depois que assomaram ao
poder, não poucas vezes pisaram em tudo o que pregavam. Só restou aos
sociólogos de plantão entender o que aconteceu na esteira de sua mudança
radical em sentido contrário. Mas, no geral, isso pode indicar pelo menos duas
coisas: ou pregavam o que não tinham ousadia para viver, ou passaram a viver o
que não tiveram coragem para pregar.
Ora, se isso é, de certo modo, comum aos partidos políticos (pois todos
eles são, vez por outra, colocados em xeque entre o que afirmam em seus
programas de governo e o que fazem quando assumem cargos executivos), tal só se
estabelece porque há uma tolerância de grande parte da sociedade.
Por exemplo, na época da eleição, os candidatos tentaram passar a
impressão de que, uma vez eleitos, transformariam a vida num mar de rosas. Na
campanha, houve “solução” para todo tipo de problema.
Porém, a hora de checagem da coerência chegou. Agora que a presidenta,
juntamente como os novos governadores, deputados e senadores assumiram seus
cargos, será fácil constatar se as promessas foram feitas para serem cumpridas,
ou se os problemas permanecerão intocados até à próxima eleição.
Pergunta-se: o que anda errado com um país, quando suas lideranças
mentem ou, por incoerência ética, dizem uma coisa e fazem outra? O que fazer
quando juízes se colocam acima da lei, como a fazer valer que, embora todos
sejam iguais diante da lei, são desiguais perante o juiz? O que dizer quando
líderes religiosos, legisladores e educadores dizem uma coisa em público e
fazem outra em privado?
Quando isso acontece, a pergunta que não quer calar é essa: que lições
estamos a transmitir aos nossos filhos?
A Bíblia é riquíssima em orientações para que mantenhamos a coerência
entre o que falamos e o que vivemos. Paulo questiona: “Tu, pois, que ensinas a
outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar,
furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? (Rm 2.21,22).
Jesus afirma: “Seja, porém, o vosso falar: sim, sim; não, não” (Mt
5.37). O que Ele está dizendo é óbvio: as nossas palavras têm de estar sob o
signo da coerência. Ou seja: quando empenhamos nossa palavra, temos de
cumpri-la; nossas ações posteriores devem corresponder ao compromisso dessa
mesma palavra.
Apenas como exemplo, devemos nos lembrar do que foi dito a um eloquente
pregador, o qual vivia na incoerência de pregar bonito e viver na fealdade de
detestáveis maus costumes: “O que vives fala tão alto que não consigo escutar o
que pregas”.
Samuel Câmara
Pastor da Assembléia de Deus em Belém
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