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9 de maio de 2015

A condição das mulheres nos tempos de Jesus e sua inclusão como participante do Reino sob a perspectiva Joanina

RESUMO: As condições vulneráveis que as mulheres eram submetidas, nos tempos de Jesus são visíveis nos escritos sinóticos e no evangelho joanino. Um exemplo é o que relata João no episódio da Samaritana, sobre a admiração dos discípulos quando retornam da cidade e encontram Jesus falando com uma mulher, todavia nenhum lhe diz palavra alguma (cf. Jo 4. 27). A atitude dos discípulos reflete o desprezo dos judeus pelos samaritanos, sobretudo a atitude machista com relação às mulheres. Quando elas se encontravam em ambientes públicos, passavam despercebidas e as regras do decoro proibiam um homem de se encontrar sozinho com uma mulher. “Devia-se evitar olhar para uma mulher casada e até mesmo cumprimentá-la” (cf. Jeremias, 1983, p. 474). No diálogo com a mulher samaritana, a iniciativa partiu de Jesus. Com certeza uma postura que não seria da mulher. Ela tinha ciência de sua inferioridade social e das barreiras que a impediam de interagir espontaneamente.
Palavras Chave: Estudo Bíblico; Mulher, João.
1). CONDIÇÃO DE EXCLUSÃO E MARGINALIZAÇÃO
A mulher, entre os judeus, era não mais que um objeto pertencente ao marido, como seus servidores, suas edificações e demais posses legais. Ela devia ao esposo total lealdade, mas, por princípio, era considerada como naturalmente infiel, desvirtuada e falsa. Por esta razão, sua palavra diante de um juiz não tinha praticamente valor algum. Embora ela fosse obrigada a ser fiel ao matrimônio, o marido não tinha os mesmos deveres matrimoniais. Além de tudo, ele podia rejeitá-la por qualquer motivo, mesmo que, legalmente, não pudesse negociá-la como qualquer outra propriedade. Dificilmente a esposa poderia, por iniciativa própria, se desligar do casamento.
Uma mulher envolta em laços conjugais não podia jamais ser contemplada por outro homem, ou por ele ser abordada, mesmo que fosse para uma simples saudação. No interior da sociedade judaica, ela ocupava uma posição bem inferior à do homem. Até na esfera espiritual a mulher era considerada desigual, e para ela estava reservado um local à parte no templo, assim como era obrigada a caminhar, na rua, distante dos homens.
Legalmente ela era proibida de tudo e estava constantemente submetida a todas as punições civis e penais imagináveis, sujeita até mesmo à pena capital. Também nos momentos das refeições a mulher era isolada, pois ela não podia se alimentar ao lado dos homens. Assim, ela permanecia em pé, pronta para ajudar o marido a qualquer instante.
Normalmente as mulheres viviam reclusas em suas residências e as janelas, quase sempre, eram construídas com grades para que elas não pudessem ter seus rostos vislumbrados pelos passantes nas ruas. Se um homem tentasse se dirigir a uma mulher, cometia um pecado muito sério.
Por esta breve visão já é possível perceber o quanto Jesus, em sua época, revolucionou o tratamento oferecido pelos homens às mulheres. Um dos episódios mais chocantes do Evangelho é justamente aquele no qual Ele se dirige à mulher samaritana. Este povo era aguerrido adversário dos hebreus, desde a cisão entre as tribos de Israel.
Assim, ao se revelar claramente como o Messias para alguém desta comunidade, especialmente a uma mulher, Ele deixou tanto samaritanos quanto judeus perplexos. Além disso, Jesus mantinha, entre seus discípulos e seguidores, diversas mulheres, entre elas, Maria Madalena, vista com preconceito pelos judeus, que a consideravam uma traidora de seus princípios, como uma prostituta.
Não bastando isso, Ele curava indistintamente homens e mulheres, e procurava integrar socialmente aquelas que tinham sido excluídas. Ele até mesmo perdoou a mulher adúltera, a qual os judeus costumavam apedrejar até a morte. E foi justamente uma mulher que testemunhou sua Ressurreição, embora até os discípulos mais fiéis de Jesus encarassem suas palavras, inicialmente, com desvelado ceticismo.
Na época, mesmo a mulher não sendo infiel ao esposo, se este fosse dominado pelo espírito do ciúme, como está descrito na lei mosaica, sob o título de ‘A Oferta do Ciúme’, ele poderia levá-la diante do sacerdote, mesmo sem nenhum testemunho ou flagrante, e realizaria então esta oferta ritual. Desta forma, ela ficaria para sempre marcada e amaldiçoada diante da sociedade judaica.

O evangelista João no relato do encontro de Jesus junto ao poço de Jacó, ao referir-se à mulher, simplesmente a insere na narrativa como sendo a mulher Samaritana – talvez com o intuito de torná-la representante de toda a Samaria, pois ela permanece sem nome até o final da narrativa. Seu anonimato e a admiração dos discípulos ao retornarem da cidade e virem Jesus conversando com uma mulher (cf. Jo 4.27), denota todo o preconceito e discriminação que sofria a mulher nos tempos de Jesus:

A barreira do sexo: era mulher; barreira cultural: era ignorante, pois geralmente os rabinos proibiam que as mulheres recebessem educação - era preferível queimar a lei que ensiná-la a uma mulher; o preconceito social e religioso: era samaritana; a barreira do caráter moral: era pecadora (PEARLMAN, 1995, p. 51).

Esse preconceito estava fundamentado no Antigo Testamento que tinha percepções distintas para com o gênero feminino e masculino, como é o exemplo da “lei que condena a mulher adúltera a ser apedrejada. A poligamia é tolerada para os homens e até bem vista: Salomão tinha ‘setecentas esposas de estirpe principesca e trezentas concubinas’” (GANGE, 2007, p.24).
As mulheres, além de serem submissas aos homens, eram consideradas muito inferiores a eles. Tinham sido criadas por Deus com o propósito tão somente de procriar e servir ao homem. “Este era um forte motivo que levava o homem a agradecer diariamente a Deus por não ter nascido mulher, nem pagão, nem operário” (ROPS, 2008, p.147).
As mulheres tinham seus lugares separados no templo, nas sinagogas, e em suas próprias casas não podiam se sentar a mesa durante as refeições. Enquanto os homens comiam, elas deveriam servir a mesa. Passavam a maior parte de suas vidas nos ambientes domésticos e quando saiam de casa, nunca saiam sem véu para não se exporem (Bíblia da Mulher - Comentário, 2004, p. 1310). Isto se confirma no Antigo Testamento nos escritos de Ben Sirac e através das narrações de Tobias que apresentam a estrutura da família patriarcal como ideal, “projetando a posição do homem como atuante no espaço público e confinando a mulher ao espaço doméstico” (KESSLER, 2009, p. 218).
Segundo ensinamentos transmitidos de geração em geração, a mulher era vista como fonte sempre perigosa de tentação e pecado – foi ela que deu do fruto proibido ao homem causando-lhes a expulsão do paraíso. Os homens deviam aproximar-se dela com muita cautela. A isto se acrescentava toda regra de pureza sexual que via na mulher um ser totalmente impuro durante o período da menstruação e nos períodos pós-parto. Pessoas e objetos por ela tocados ficavam conseqüentemente contaminados e impuros, razão pela qual as mulheres eram excluídas do sacerdócio, da participação plena no culto e do acesso às áreas mais sagradas do templo (PAGOLA, 2010, p. 257). Eram confinadas porque os homens as consideravam como seres mais vulneráveis que deviam ser protegidas de agressão sexual de outros varões e defendidas publicamente para que a honra e reputação da família fosse mantida. No tocante as mulheres, era mais seguro encerrá-las em casa para que guardassem melhor sua honra sexual. Assim todos podiam viver mais tranqüilos nas aldeias (PAGOLA, 2010, p. 257).
No judaísmo, a mulher vivia numa posição de marginalidade que não dizia respeito somente a questão social e moral, mas atingia também o aspecto religioso.
Alguns rabinos chegavam aos extremos de afirmar que as mulheres não tinham alma. Não era permitido que as mulheres estudassem a lei. Não tinham permissão de tomar parte ativa nos cultos religiosos dos judeus:
no templo, ela só podia entrar até o átrio das mulheres. Em suas obrigações religiosas ela é equiparada ao escravo; ela não precisa, por exemplo, orar o Shema ‘pela manhã e à noite, porque, como o escravo, ela não era dona do seu tempo’ (JEREMIAS, 2008, p. 330).
As mulheres não tinham posição oficial na religião, portanto não precisavam aprender a lei. “Seria melhor ver a Torá queimada,” afirmou um doutor exaltado, “do que ouvir suas palavras dos lábios das mulheres” (ROPS, 2008, p.130).
Entretanto, o mesmo tratado do Talmude que impedia a entrada de meninas na escola, continha esta máxima sábia: “Todo o homem deve ensinar a Torá a sua filha” (ROPS, 2008, p.130). Essa premissa dá-nos uma breve noção sobre o entendimento de Maria quando em seu cântico de exaltação após o anúncio que seria a mãe do Cristo mencionou vários textos dos Salmos e da Lei. Com certeza, ela tinha aprendido com seus pais acerca da lei e dos profetas. Foi à escola do lar em que Maria foi ensinada que a tornou capaz de instruir o filho Jesus nas Santas Escrituras, pois somente aquelas mulheres que conheciam muito bem a lei é que poderiam instruir seus filhos e instar os maridos a cumprirem suas obrigações religiosas (ROPS, 2008, p. 149).
A mulher também era concebida como propriedade do marido juntamente com suas demais posses. Isto ocorreu pelo entendimento exagerado dos preceitos do decálogo quando Deus proibiu a cobiça em relação a casa, o servo e a serva, o boi, o jumento ou qualquer outra coisa de seu próximo inclusive a “mulher do próximo”. Em virtude de uma maneira de interpretar esse mandamento, o homem entendeu que a mulher também era um bem que lhe pertencia. A esposa era uma possessão excessivamente valiosa e ninguém mais tinha o direito de tocá-la (ROPS, 2008, p. 147).
Além de ser considerada propriedade do marido, também era do pai antes de se casar. Sempre pertencia a alguém. Ao pai, um irmão, marido ou filho ela sempre devia sujeição. Quando jovem passava do controle do pai ao do esposo. Seu pai podia vendê-la como escrava para pagar as dívidas, mas não podia fazer o mesmo com o filho, que estava destinado a assegurar a continuidade da família (PAGOLA, 2010, p. 67). No entanto, salvo se não tivessem meninas na família, os filhos seriam entregues como pagamentos das dívidas. Essa é a situação vivida pela viúva que vem reclamar ao profeta Elizeu sua condição de desgraça em que teria de pagar as dívidas do marido entregando seus dois filhos aos credores (cf. 2 Rs 4.1-7).
As regras no tocante a propriedade, ao casamento e ao adultério continuavam valendo nos dias de Cristo, fato demonstrado no discurso de Jesus sobre o adultério e a dureza do coração do homem. O homem podia repudiar a esposa quando bem quisesse. Vale lembrar que no ambiente judaico o direito de desfazer um casamento repousava unilateralmente nas mãos do marido (JEREMIAS, 2008, p. 328).
Nos dias de Cristo havia duas escolas que se posicionavam diferentemente com relação ao divórcio: uma era a escola do rabi Shammai que ao interpretar o texto de Deuteronômio, permitia ao homem se divorciar de sua esposa somente em caso de adultério. Outra escola era do rabi Hilel que defendia a tese de que o marido poderia repudiar sua esposa por qualquer motivo, ensinando que o homem poderia mandá-la embora até se ela deixasse queimar a sopa, ou se encontrasse outra mulher que lhe agradasse mais (COLEMAN, 1991, p.109). Segundo este mesmo rabi, o homem nem precisava citar o motivo pelo qual queria se divorciar da esposa, atitude que muitas vezes era prontamente aceita pela sociedade patriarcal e “machista” da época, uma vez que os homens não se importavam com a dignidade das mulheres. Neste contexto de desprezo e abandono, as mulheres repudiadas e as viúvas ficavam sem honra, sem bens e sem proteção, ao menos até encontrar um varão que se encarregasse delas (PAGOLA, 2010, p. 67).
2. JESUS ATRAI AS MULHERES E AS DIGNIFICA
A sociedade nos tempos de Jesus continuava com uma estrutura patriarcal de inferioridade e de submissão às mulheres. Jesus, porém, foi diferente dos homens de sua época. Ele reagiu contra a marginalização das mulheres. “A atitude de Jesus diante das mulheres e do feminino não reflete em nada a misoginia dos redatores do Antigo Testamento”, também, “não partilhava os horrores impostos a elas” (GANGE, 2007, p. 23). As mulheres eram atraídas por Jesus e o seguiam juntamente com a multidão de discípulos. “Este fato excepcional da presença das mulheres ao lado de Jesus só podia aparecer como revolucionário, insólito, tanto para os romanos e, sobretudo para os judeus patriarcais” (GANGE, 2007, p. 24).
Jesus se mostrava amigo e complacente com as mulheres e se opunha totalmente aos costumes machistas de seu tempo. Machismo fundamentado na Lei que tinha considerava a mulher como alvo de toda a repressão. Exemplo disso é o caso de adultério (mencionado acima como no caso da poligamia de Salomão) que em relação às mulheres, “era considerado um verdadeiro crime, punido de morte. Jesus opõe uma lógica de justiça e uma retidão tranqüila: Quem pode fazer-se o juiz do outro? Quem nunca cometeu atos repreensíveis?” (GANGE, 2007, p. 24).
Quando uma mulher adúltera é levada até Jesus para ser apedrejada, Ele reage de forma que os acusadores saem da sua presença se sentido condenados por seus próprios pecados. Quanto à mulher, ele a libera e perdoa: “Vai e não peques mais” (Jo 8.11). Em outro episódio Jesus é tocado por uma mulher que sofria de hemorragias menstruais há doze anos, provavelmente ela estava excluída por todo esse tempo de qualquer convívio social e familiar. Sua enfermidade a tornava impura diante das leis cerimoniais. Jesus questiona a multidão que o segue com a intenção de incluir a mulher marginalizada, ele a cura e ainda lhe dirige algumas palavras de consolo. (cf. Lc 8.43-48 e Lv 15.25).
Houve também momentos da vida de Jesus que ele foi hospedado por mulheres, mas não se sentiu incomodado com a presença delas quando ficavam aos seus pés ouvindo seus ensinamentos. Isso ocorreu na casa de Marta e Maria (cf. Lc 10.39). Permitiu que mulheres o acompanhassem em suas viagens apostólicas e o ajudassem com seus bens (cf. Lc 8.1-3). Jesus agiu com as mulheres, introduzindo algumas mudanças significativas em seu comportamento pessoal com elas. Mas como fazia parte de uma sociedade patriarcal, nada pode fazer com relação às mudanças jurídicas (FERNANDEZ, 2008, p.58).
Jesus rompeu preconceitos impostos pela lei no que diz respeito à pureza ou impureza com relação às mulheres da mesma forma como procedia com outros grupos sociais como publicanos, leprosos, enfermos e até os mortos – quando os tocava. Jesus tem compaixão de quem se aproxima. Ele, o enviado do Pai, veio para evangelizar os pobres, curar os quebrantados de coração, pregar liberdade aos cativos, restaurar a vista dos cegos, pôr em liberdade os oprimidos (cf. Lc 4.18,19). Entre os marginalizados se encontravam as mulheres, que acolheu e incluiu.

Jesus não usa de reserva para falar em público com a samaritana (Jo 4.27); [...] cura uma mulher encurvada em dia de sábado, chamando-a de ‘filha de Abraão’ (Lc 13.10-16); [...] deixa-se beijar os pés e ungi-los com perfume por uma mulher pública, para grande escândalo do fariseu que o convidou e dos demais comensais (Lc 7.36-50); cura a sogra de Pedro e a toma pela mão (Mc 1.29-31); deixa que seja ungida sua cabeça em Betânia, na casa de Simão, com um perfume caríssimo, e defende a mulher que realizou essa ação (Mc 14.3-9) (FERNANDEZ, 2008, p. 60).

A atitude de Jesus é de tirar as mulheres da marginalidade, incluindo-as como participantes do Reino de Deus. Ele atribui a elas a missão de serem anunciadoras das boas novas de paz e salvação.
Jesus levou a mulher muito a sério. Ele a considerou como pessoa, como um interlocutor válido, digno das confidências mais íntimas. [...] A atitude de Jesus em relação à mulher é absolutamente única. [...] Jesus mostra-se livre de qualquer preconceito, fala às mulheres como fala aos homens, com o mesmo respeito, a mesma confiança, as mesmas exigências e as mesmas promessas (TOURNIER, 2005, p. 144).
O modo como Jesus tratou as mulheres e os excluídos, mostrou que ele era cumpridor por excelência do grande amor do Pai, cujo lema é não fazer acepção de pessoas, mas amar a todos sem distinção. Segundo Tournier, Jesus manifestou com clareza que sentia a injustiça dos homens contra as mulheres naquela sociedade (2007, p. 144). “Jesus cerca-se de mulheres, conversa com elas, considera-as como pessoas inteiras, sobretudo quando são desprezadas” (DELUMEAU, 1978, apud TOURNIER, 2007, p. 144).
A condição da mulher durante o ministério de Jesus passou a ter uma nova dimensão. Ela entra a fazer parte da comunidade dos bem amados, torna-se participante da identificação com Cristo, de seu ministério, vida, morte, ressurreição, até ao ponto de ser chamadas de corpo de Cristo. Todos se identificam com o ato redentor do Cristo histórico e ressuscitado; “as mulheres e os homens juntos constituem um só corpo que vive através de, em, e com Cristo” (JOHNSON, 1995, p. 113):

Mulheres vivenciaram gestos, palavras e ações libertadoras com Jesus. Podemos falar da construção de uma teologia relacional, visto que experiências de cura, perdão, de ensino aprendizagem, de restauração da dignidade de viver colocavam Jesus em relação com mulheres e outras pessoas, e igualmente colocavam mulheres e outras pessoas em relação a Jesus. [...] Essa relação se estabelecia por meio da fé e da graça. A gratuidade da relação é característica marcante na práxis libertadora de Jesus e na práxis libertadora das mulheres (REIMER, 2013, p. 73)

A prática libertadora de Jesus coloca a mulher no mesmo nível de igualdade do homem retratada no evangelho joanino e dará uma visão ainda que tênue sobre a participação da mulher na comunidade cristã primitiva.
Encontramos o narrador fazendo menção de Marta servindo à mesa – diakonein -, (cf. Jo 12.2), fato que nos tempos de Jesus pode parecer pouco expressivo, no entanto, sua simples citação no período em que o escrito joanino está sendo concebido é uma mostra de uma perspectiva com relação a valorização do gênero feminino. O texto se situa no final do primeiro século, aproximadamente o ano 90 d.C, quando o serviço diaconal já existia nas igrejas de acordo cartas paulinas. A função dos diáconos (diakonos) era específica e necessitava que os líderes da comunidade impusessem as mãos sobre aqueles que exerceriam tal função. Portanto, “na comunidade joanina a mulher poderia exercer uma função que em outras igrejas era função de pessoa ‘ordenada’” (BROWN, 1999, p.197).
João destaca o papel importante confiado às mulheres referindo-se a “apóstola” que se revela na história da samaritana. Jesus, explicando sobre a semeadura e colheita dos campos, diz: “Um é o que semeia, outro é o que ceifa” (cf. Jo 4.37), e explica isso a seus discípulos (homens): “Eu vos enviei (apostellein) a ceifar onde não trabalhastes; outros trabalharam e vós entrastes nos seus trabalhos” (cf. Jo 4.38). A narrativa de Jo 4 leva-nos a entender que a mulher semeou a semente preparando assim a colheita apostólica (BROWN, 1999, p. 199).

À samaritana, desprezada por ser mulher, estrangeira, impura e de má conduta, Jesus se revela como Messias, afirmação que havia negado aos homens. Essa revelação é acolhida pela Samaritana, por causa dela (cf. Jo 4.39). Mais uma vez, o evangelho mostra uma mulher anunciando a Boa Nova de Jesus. Tanto a Samaritana como Maria Madalena são enviadas como missionárias em igualdade de condições com os homens (CNBB, 1990, p. 86).

O próprio Jesus comissiona Maria Madalena como anunciadora da ressurreição: “Vi o Senhor”. É um exemplo sublime de apostolado! Verdadeiramente, não se trata de uma missão a todo o mundo, mas, Maria Madalena aproxima-se dos requisitos paulinos básicos de um apóstolo. Segundo João é ela, e não Pedro, que vê primeiro Jesus ressuscitado (BROWN, 1999, p. 200).
As comunidades cristãs do primeiro século davam a Pedro a devida importância por ter sido o primeiro a ver Jesus ressuscitado, e também a ele e aos demais discípulos, a honra por terem confessado Jesus como o Cristo Filho do Deus Vivo. No entanto, para a comunidade joanina essas confissões e o privilégio do encontro com o ressuscitado se associavam com heroínas como Marta e Maria Madalena (BROWN, 1999, p. 201). Marta no encontro com Jesus por ocasião da morte de Lázaro - fazia quatro dias que este fora sepultado -, quando ouve as palavras consoladoras do mestre que seu irmão haveria de ressuscitar: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Crês tu isto?” (cf. Jo. 11.25,26), faz uma confissão de elevada importância: “Tu és o Cristo Filho de Deus” (cf. Jo 11.27). Sua confissão revela função eclesial e ministerial na comunidade atribuída a homens e mulheres simultaneamente como discípulos e discípulas, alvos do amor do mestre.
O amor de Jesus é envolvente e se manifesta num movimento de renovação em relação às mulheres.
elas as eram acolhidas apesar dos gestos e palavras exclusivos aí existentes, eram libertas de vários males, doenças e opressões, eram tidas por discípulas agraciadas pelo amor de deus e que largavam suas antigas formas de vida para se colocar no seguimento de Jesus (REIMER, 2013, p. 74).
Assim, passavam a participar do rebanho do bom Pastor. Eram chamadas pelo nome e reconheciam quem as chamava. É o que acontece com Maria no Horto da Ressurreição: “Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, voltando-se, disse-lhe: Raboni (que quer dizer, Mestre) (cf. Jo 20.16). O mesmo acontece com Pedro. Atento reconhece a voz do Senhor e se lança ao mar quando Jesus vai ao encontro deles no mar de Tiberíades (cf. Mt 14.28,29). Segundo Brown (1999), são as ovelhas que ouvem a voz do bom Pastor. No Evangelho de João, as ovelhas ouvem a voz de Jesus e obedecem para a missão. Essa missão inclui a todos na comunidade joanina. Segundo Brown as ovelhas são identificadas como sendo de Jesus. E Jesus “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (cf. Jo 13.1). É claro que João não hesitava em absoluto colocar uma mulher na mesma categoria de relacionamento com o Jesus dos doze, todos são incluídos entre “os seus” (BROWN, 1999, p. 202). Para JOHNSON, Jesus libera pelo seu ministério
... uma esperança, uma visão e uma experiência de libertação do relacionamento que a mulher, que é a menor em qualquer classe, bem como o homem, possam provocar como antítese do patriarcado. A mulher interage com Jesus no respeito mútuo, no apoio, no conforto e no desafio, e ela mesma é dotada de atos de compaixão, de ação de graças e de coragem. [...] Novas possibilidades de relacionamento modelado segundo o serviço mútuo da amizade, em lugar do domínio e da subordinação que imperam entre homem e mulher que agora respondem e passam a fazer parte do grupo de amigos de Jesus. Agora forma uma comunidade de discípulos onde todos se consideram iguais entre si (1995, p. 232).
Para a mulher, estar incluída entre os seus, significa estar no mesmo nível de igualdade para desfrutar de seu amor. Ser de Jesus é participar de sua missão concedida a homens e mulheres sem distinção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
São muitas as mulheres alcançadas pela graça de Cristo, a Samaritana, a mulher hemorrágica e Maria Madalena; essas eram excluídas. Outras mulheres, mesmo sem problemas aparentes, como Marta e Maria, a sogra de Pedro e as seguidoras de Jesus tiveram o privilégio de serem acolhidas e dignificadas como seres humanos num tempo em que era forte o preconceito de gênero. “A mulher interage com Jesus no respeito mútuo, no apoio, no conforto e no desafio, e ela mesma é dotada de atos de compaixão, de ação de graças e de coragem pelo Espírito Sophia que em Jesus se aproxima dela” (JOHNSON, 1995, p.232).
Ela passa a fazer parte da comunidade, é vista e reconhecida. Como amiga pode dialogar com ele e sentar-se aos seus pés; como auxiliadoras podem apoiá-lo economicamente no seu ministério e servi-lo em suas casas; como adoradora tem a liberdade de derramar-se diante Dele com um vaso de alabastro. Pode invocá-lo, tocá-lo, sentar-se a mesa com Ele, seguir o caminho do calvário e ser gratificada com a elevada função de ser anunciadora da ressurreição.

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